QUALIDADE DA CARNE CONSUMIDA EM SALVADOR NO FINAL DO SÉCULO XIX*
No final do séc. XIX foi defendida, na Faculdade de Medicina da Bahia, por Dr. Narciso da Silva Marques, a tese de doutorado intitulada “Estudo da Carne como Alimento; Moléstias Produzidas e Propagadas pela Carne”. Hoje, poderia tê-la denominado Tecnologia e Higiene da Carne devido ao conteúdo da mesma, que teve sua pesquisa baseada no observado no matadouro de Salvador, situado no bairro do Retiro. Consideramos a tese um documento histórico da situação do abate de bovinos na capital do Estado da Bahia.
Nesse trabalho chamou a atenção para o perigo da transmissão de doenças através de algumas “carnes insalubres”: (i) ”carne espermática” situada em torno da bacia do boi, do barrão e do bode; (ii) “carne asphyxica” de animais mortos por submersão, sufocação ou estrangulamento; (iii) “carne fatigada” de animais extenuados por longas jornadas ou que ficaram em pé durante muito tempo; (iv) “carne alterada” tocada ou sentida, ou seja, em início de putrefação e (v) “carne virulenta” dos animais tuberculosos, de mormo, carbúnculo raiva, lepra (?), pneumonia, septicemia e febre aftosa. “Estabelecimentos insalubres”, considerando aqueles “incômodos e perigosos”, quando não convenientemente edificados, contaminando o solo e a atmosfera por detritos em decomposição. Considera como tal o de Salvador, com “desasseio”, sem azulejos vitrificados e piso sem ser de mármore.
O animal deve ser apreciado antes de ser abatido, chamando-o de “carne em pé”, pois a rês normal tem “olhar doce”, orelhas e cornos quentes, narinas úmidas, pêlos brilhantes e respiração pausada. Depois define formas de abate: (i) enervação, introduzindo uma choupa entre o axis e o atlas até o bulbo raquiano; (ii) comoção cerebral, utilizando ”malho inglez” ou “martello de Bruneau” ou o machado em pancada na nuca; (iii) sangria, utilizada somente em algumas situações e em seguida aos métodos anteriores; (iv) degolação, empregada pelos judeus e (v)``asphyxia``, por compressão do tórax e de pescoço.
Desperta a atenção dos cuidados nos transportes dos animais, pois a superlotação determina equimoses e ferimentos e cita a Lei francesa de 21 de julho de 1881, que regulamenta as moléstias que condenam as carnes de animais como actinomicose, peste bovina, gafeira, pneumonia, febre aftosa, abscesso no fígado, cisticercose, raiva, carbúnculo, tuberculose entre outras.
As carnes condenadas devem ter o destino recomendado pelo Professor Verheym de Alfort, ou seja, “enterradas em valas com cal”.
O Diretor do Matadouro de Salvador, o médico Dias Coelho relatou que no ano de 1889, dos 2000 bois abatidos, “431 carnes” foram condenadas por contusões, adenites, carbúnculo, tuberculose, peste do Piauhy (?), abscessos no fígado, mal triste (complexo piroplasmose ?) e hipertrofia do baço.
* Apresentado no 32º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária, Uberlândia, 2005
** Acadêmico Titular Fundador da Academia Baiana de Medicina Veterinária
***Médico veterinário da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia.