O PRIMEIRO REGISTRO DA PRESENÇA DE UM MÉDICO VETERINÁRIO NA CIDADE DE SALVADOR – BAHIA*
No ano de 2005, a Professora Consuelo Novais Sampaio - em excelente trabalho sobre a expansão urbana da cidade de Salvador no fim do século XIX, descreveu as dificuldades enfrentadas pela Companhia de Transporte Urbanos (bonde de burro), face ao alastramento da epizootia do mormo nos seus animais, tanto que, em 1882, a referida empresa teve reduzido o número de muares necessários, recorrendo à aquisição de animais no sul do país ou mesmo dos nossos vizinhos da região do Rio da Prata.
A companhia Trilhos Centrais, concorrente do Transportes Urbanos, sofreu o mesmo problema, agravando-se a situação em 1887, quando o número de animais adquiridos não dava para cobrir as baixas dos animais enfermos e mortos.
Em 1905, cita a autora, a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, sucessora do Transporte Urbanos, continuava a enfrentar a mesma situação quase inviabilizando o uso da tração animal nos veículos, face ao grave problema sanitário já denunciado pelo médico Manoel Dias de Moraes, em sua tese de formatura apresentada perante a Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia em 1895, destacando, sobretudo, a ocorrência de óbitos de mormo em humanos.
A Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, diante da gravidade da situação, achou por bem contratar um profissional médico veterinário para avaliar a situação dos seus animais. Não havendo tais profissionais disponíveis na Bahia foi buscar no Senhor. C. Bucari a solução do problema que lhe afligia.
O referido senhor que a época oferecia na imprensa os seus serviços profissionais como ex-veterinário da “Inspetoria Geral de Higiene do Rio de Janeiro”, com habilidades para o que hoje chamamos de Clínica de Grandes Animais.
No dia 31 de dezembro de 1905 o referido senhor encaminhou minucioso relatório para o Engenheiro Julho Brandão, gerente da Empresa que o contratou, sobre os animais alojados nos estábulos nos bairros de Graça, Barbalho e Terreiro.
No seu laudo pericial envolvendo 422 animais, 16 apresentaram sintomatologia avançada de mormo, sete com enfermidades diversas, um já encontrado morto pela enfermidade em questão e os demais, sem alterações mais graves no seu estado sanitário. Para aqueles com diagnóstico positivo de mormo foi recomendado o sacrifício imediato.
Cremos que o laudo pericial do Sr. C. Bucari, que ainda continuou em Salvador oferecendo seus serviços profissionais no Jornal Diário da Bahia - importante veículo de comunicação da época - é inquestionavelmente o registro da primeira atuação de um profissional desta área na cidade de Salvador e no Estado da Bahia.
Sem sombra de dúvida o trabalho da Professora Consuelo Novais Sampaio, além de registrar a presença do primeiro veterinário na Bahia, é de extrema e fundamental importância, para ser conhecida a trajetória do mormo na Bahia e no Brasil, sobretudo nestes tempos em que esta enfermidade histórica se transforma em preocupante zoonose reemergente.
* Apresentado no 34º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária, Santos, 2007.
** Acadêmico Titular Fundador da ABAMEV.